Reportagem publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" nesta quinta-feira (24) afirma que o Ministério das Cidades forjou documento que autorizou mudanças em projeto de mobilidade urbana em Cuiabá (MT), ampliando o custo da obra para R$ 1,2 bilhão - R$ 700 milhões a mais do que o previsto na proposta original.
O projeto inicial previa a construção de um corredor de ônibus (BRT, Bus Rapid Transit, na sigla em inglês), que já contava com financiamento aprovado. Em junho, o governo de Mato Grosso anunciou que pretendia deixar o BRT de lado em troca da implantação de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). A obra é mais cara, mas, segundo o governo, é necessária para atender a um movimento maior do que o BRT comporta.
Para obter ajuda financeira do governo federal, o governo de Mato Grosso necessitava de um parecer favorável do Ministério das Cidades.
Conforme a reportagem do jornal, gravações indicam que a diretora de Mobilidade Urbana do ministério, Luiza Gomide Vianna, admite a existência de dois pareceres sobre projeto no transporte público, que previa a troca do BRT pelo VLT.
O jornal mostrou parecer assinado pelo analista de infraestrutura da pasta Higor Oliveira Guerra no dia 8 de agosto que afirma "não haver posição clara sobre a melhor tecnologia" e pede "realização de estudo de viabilidade amplo e profundo".
De acordo com o jornal, em reunião no dia 6 de outubro, a diretora Luiza Vianna pediu que Higor alterasse seu parecer, mas o pedido teria sido negado. Um novo parecer então foi assinado por Luiza Vianna e pela gerente de projetos da pasta, Cristina Soja, com a data de 8 de agosto, mesmo dia do parecer do técnico. O novo parecer dizia que "os estudos apresentados pelo Governo do Estado do Mato Grosso contemplaram a simulação de dois cenários, para BRT e para VLT".
Em nota enviada ao jornal e divulgada nesta quinta pelo site do Ministério das Cidades, o órgão defendeu a decisão de autorizar mudança no projeto, mas não respondeu sobre o motivo da existência de dois pareceres (leia no fim desta reportagem a íntegra da nota do ministério).
O G1 procurou o ministério para obter esclarecimentos adicionais à nota, mas a pasta não se pronunciou até a publicação desta reportagem.
Conforme a reportagem, a mudança no projeto de mobilidade fez parte de um acordo do governo de Mato Grosso com o Ministério das Cidades, o Ministério do Planejamento e o vice-presidente da República, Michel Temer. Como havia um parecer contrário, disse o jornal, "o Ministério das Cidades desencadeou a operação da fraude".
A assessoria de imprensa do vice-presidente afirmou que ele chegou de viagem na manhã desta quinta, está descansando e não se pronunciará sobre a reportagem. O assessor pediu que o G1 voltasse a ligar na parte da tarde.
Em um dos áudios, Luiza Gomide declara que a determinação para a mudança partiu de Cássio Peixoto, chefe de gabinete do ministro das Cidades, Mário Negromonte, e de Guilherme Ramalho, coordenador-geral de Infraestrutura da Copa de 2014.
Oposição
O PPS e o PSDB anunciaram nesta quinta (24) medidas com a finalidade de apurar o caso.
O PPS entrou com pedido na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados para que o Tribunal de Contas da União (TCU) investigue suspeitas de fraudes na obra de mobilidade urbana em Cuiabá.
De acordo com a comissão, o pedido do PPS será encaminhado para a Mesa Diretora da Câmara e depois retornará à comissão para designação de relator. Caso a Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) apresentada seja aprovada, o TCU investigará a denúncia.
Em nota, o líder do PPS, deputado federal Rubens Bueno (PR), afirmou que ser "fundamental que o TCU apure a denúncia e fique atento, desde já, em todos os projetos que envolvem a Copa do Mundo".
O PSDB anunciou uma representação ao Ministério Público do Distrito Federal, a ser protocolada nesta quinta pelo líder na Câmara, deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP), solicitando que o MP ingresse com ação divil pública com pedido de afastamento temporário do cargo do ministro das Cidades, Mário Negromonte, da diretora de Mobilidade Urbana, Luiza Gomide de Faria Vianna, da gerente de Projetos, Cristina Soja, do chefe-de-gabinete de Negromonte, Cássio Peixoto, e de Guilherme Ramalho, coordenador-geral de Infraestrutura da Copa de 2014 do Ministério do Planejamento.
Governo
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que a postura do governo da presidente Dilma Rousseff é de apurar "a fundo" e exigir explicações de ministros alvos de denúncias de irregularidades.
"A hora que a oposição apresentar requerimento de convite, eu vou estar lá para defender. Toda vez que tem convite, a gente agiliza bastante. O governo não quer atrapalhar investigações", afirmou.
Mas ele ressalvou que é preciso verificar a veracidade das denúncias envolvendo o Ministério das Cidades. "Tem que haver parcimônia. Não vamos tomar medidas para impedir investigação, mas isso exige das pessoas que denunciam cuidado para não ser ação política. Não vamos admitir malfeito, mas também não permitiremos linchamento", disse.
Histórico da obra
A extinta Agência de Execução dos Projetos da Copa do Pantanal (Agecopa), hoje Secopa, havia definido o BRT como modal de transporte público. Depois, houve decisão de mudança para o VLT.
A previsão da Secopa era que o edital de licitação para a contratação de uma empresa para a instalação do VLT fosse divulgado no próximo mês em Regime Diferenciado de Contratação (RDC).
Conforme publicação no Diário Oficial do Estado desta terça-feira (22), a administração estadual teve a autorização para efetuar empréstimo de R$ 740 milhões junto à Caixa Econômica Federal (CEF) para investir na obra do VLT.
O secretário da Secretaria Extraordinária para as obras da Copa (Secopa), Eder Moraes, informou que por enquanto não irá se pronunciar sobre o assunto.
Veja abaixo a íntegra de nota divulgada pelo Ministério das Cidades:
"Nota de Esclarecimento
Mantendo nosso compromisso com a transparência e a prestação de contas, para esclarecimento da reportagem publicada na edição de hoje do Estado de São Paulo:
1. O processo 80000.036719/2011-89 que trata da “apreciação dos estudos que fundamentaram a decisão do governo do Estado do Mato Grosso na implementação de sistema de Veículo Leve sobre Trilho para a Copa do Mundo FiFa 2014...” é composto por 153 páginas, das quais 132 delas se dedicam ao estudo técnico que fundamenta a viabilidade do VLT frente ao BRT;
2. Dentro desse extenso processo consta também a Nota Técnica número 123/2011 com a análise e o parecer finais aprovados e assinados pela Gerente e pela Diretora do Departamento de Mobilidade Urbana da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, concordando com a defesa técnica do Estado e aprovando a mudança na matriz de responsabilidade apresentada pelo Governo de Estado;
3. Para isso, os técnicos consideraram alguns pontos positivos como o fato do VLT ser menos poluente, causar menos desapropriações e remoções involuntárias de famílias, com menos impacto econômico e social na área urbana, além de apresentar maior capacidade de transporte de pessoas e possibilidade de expansão quando atingido o limite, deixando um melhor legado à população;
4. Ao longo da análise do processo participaram das discussões técnicos de diversos Ministérios, como Planejamento, Fazenda, Esporte e outros, pois todas as decisões sobre mudanças de matriz de responsabilidade, são colegiadas quando no âmbito de obras da Copa e do PAC, através dos Grupos Gestores, como é o caso em questão: uma decisão colegiada;
5. Seguindo o rito processual da administração pública, os técnicos envolvidos no trabalho discutiram, analisaram e reavaliaram a pertinência ou não do novo modelo de transporte proposto pelo Governo do Estado, tendo manifestado opinião divergente ao parecer final, opinião essa que foi revisada e refutada tecnicamente no momento da conclusão da análise;
6. Ressalte-se que, no âmbito das informações constantes no Ministério das Cidades, não houve qualquer mudança no valor do financiamento a ser disponibilizado pelo Governo Federal nesse projeto e o fato de serem recursos para empréstimo com contrapartida do Governo do Estado;
7. Quem estabelece as prioridades dos projetos, de acordo com os interesses da população local, é o Governo do Estado ou o Governo Municipal respeitando as diretrizes traçadas pelo programa do Governo Federal;
8. Não houve “fraude” (afirmação do jornal) no processo de análise, que seguiu os trâmites legais de todos os outros processos, atendendo às solicitações do Governo do Estado dentro da perspectiva do interesse público e mediante decisão colegiada junto aos outros Ministérios participantes do Grupo Gestor da Copa;
9. Como foi explicado no item 5, durante o processo houve discussão dos prós e contras do projeto, pontos que ao final tornaram-se pacificados no parecer definitivo. Qualquer outra análise ou Nota Técnica que tenha sido produzida dentro dessa dinâmica ao longo do tempo pertence a um momento anterior à conclusão da análise que seguiu o trâmite processual legal;
10. A discussão e o aperfeiçoamento de propostas são uma constante na apresentação dos resultados de governo."