O procurador-geral do Banco Central do Brasil, Isaac Sidney Menezes
Ferreira, afirmou em documentos enviados na última sexta-feira (14) ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) que
eventual determinação judicial para corrigir os saldos das contas do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) com base na inflação
implicaria a revisão de "milhões" de contratos de financiamento
habitacional.
A sobrevivência do sistema [de concessão de crédito habitacional]
dependeria imperiosamente da revisão de todos os contratos firmados com
recursos do FGTS"
Isaac Sidney Menezes Ferreira, procurador-geral do Banco Central
Ações no STJ e no STF (veja ao final desta reportagem) pedem a
correção por indíces de inflação já que, em 2013, a TR foi de 0,19%
contra 5,91% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O Banco
Central pediu para participar do julgamento desses processos nos dois
tribunais porque é responsável por calcular a TR a partir de metodologia
estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Atualmente, os depósitos no FGTS são corrigidos pela Taxa Referencial (TR) – índice usado para corrigir as cadernetas de poupança – mais juros de 3% ao ano. Cada
trabalhador com carteira assinada tem uma conta do FGTS, composta de 8%
do salário que é depositado mensalmente pelo empregador. O dinheiro
pode ser sacado em caso de demissão sem justa causa ou aposentadoria.
Segundo
o procurador do BC, os juros atuais de financiamento, que variam entre
6% e 8,66% ao ano para aquisição da casa própria pelo Sistema Financeiro
de Habitação (SFH), poderiam chegar a 11% se fosse adotado um índice de
inflação para a correção do FGTS.
Isaac Sidney Menezes Ferreira destacou nos documentos que, com a
correção pela inflação, "a sobrevivência do sistema [de concessão de
crédito habitacional] dependeria imperiosamente da revisão de todos os
contratos firmados com recursos do FGTS". Ele acrescenta que haveria
"repercussão em milhões de contratos no âmbito do SFH".
"Isso porque não haveria como remunerar os fundistas em patamares
superiores aos que o próprio fundo aufere a título de receitas. Para se
ter a noção do impacto da modificação do índice, por exemplo, com a
substituição da TR pelo IPCA, estima-se que haveria um aumento das taxas
de financiamento para aproximadamente 11% ao ano, taxas hoje que variam
entre 6% e 8,66%", sustenta o procurador.
Ferreira ressaltou aos tribunais que o FGTS permite concessão de crédito
aos "fundistas" com valores superiores aos depositados nas contas. Mas,
diz ele, "não há recursos infinitos" que permitam entregar o FGTS
corrigido pela inflação e conceder financiamento a juros baixos.
"Não há recursos infinitos para satisfazer a pretensões infinitas. E foi
justamente para tornar viável essa destinação social do FGTS [...] que
se decidiu pela adoção de uma sistemática de remuneração baseada na TR.
Esta foi a fórmula encontrada para manter minimamente viável a concessão
de crédito por parte do FGTS a custos mais módicos. Não há como
empregar os recursos na concessão de créditos menos onerosos e, ao mesmo
tempo, pretender pagar aos fundistas uma remuneração muito superior à
cobrada dos tomadores. Por certo, a conta não fecharia."
[Enxergar o FGTS como benefício de toda a sociedade] afasta interesses de uma minoria movida pela expectativa de ganhos fáceis"
Isaac Sidney Menezes Ferreira, procurador-geral do Banco Central
O BC acrescenta ainda que aumentar os juros tornaria os empréstimos "inacessíveis a significativa parcela da população".
Segundo o BC, o FGTS tem "dupla finalidade", servir como garantia de
pagamento de indenização a trabalhadores em caso de demissão e fomentar
políticas públicas na área de habitação. Para o procurador-geral da
instituição, o fundo não pode ser visto com um benefício individual do
trabalhador.
Ele defende que enxergar o FGTS como benefício de toda a sociedade
afasta "interesses de uma minoria movida pela expectativa de ganhos
fáceis, notadamente quando instigada por entidades, inclusive sindicais e
partidárias, que promovem a cultura das ações em massa em tempos de
estabilidade monetária".
O procurador Isaac Sidney Menezes Ferreira argumenta, no documento
enviado aos tribunais, que o Congresso, ao criar a lei que disciplina o
FGTS, fez uma opção de estipular que o FGTS seria "remunerado" e não
"corrigido" em razão do papel social que os recursos têm no
financiamento de moradia popular, crédito imobiliário e obras de
saneamento e infraestrutura.
Ele afirma que a opção do Congresso deve ser respeitada pelo Judiciário
sob risco de se ferir o princípio da independência dos poderes. "Está-se
diante de uma decisão legal e soberana do Parlamento, que vige há mais
de duas décadas. Eventual provimento [da ações] ensejaria ofensa à
competência legislativa e violação ao preceito contido na Constituição
que garante a independência dos Poderes da União."
O Banco Central informou aos tribunais que o Senado chegou a discutir a
mudança na correção das contas do FGTS para adoção de índice
inflacionário no Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2008, mas arquivou a
proposta após parecer desfavorável da Comissão de Assuntos Econômicos
que apontou "reflexos nefastos para a política de acesso à moradia".
Julgamento de ações
O STJ deve julgar em breve um recurso do Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria do Petróleo de Pernambuco e Paraíba (Sindipetro) contra
decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), que manteve a
fórmula atual de correção do FGTS.
No STJ, o caso foi considerado como "recurso repetitivo", e a decisão a
ser tomada deverá ser observada pelas instâncias inferiores da Justiça
estadual e da federal. Há cerca de 50 mil processos sobre o tema em todo
o país, que tiveram o andamento suspenso até que o STJ julgue o caso.
Além disso, outra ação, protocolada pelo partido Solidariedade no
Supremo, pede a correção do FGTS pela inflação. Apesar de o STJ decidir
sobre o caso, a palavra final sobre como deve ser a correção das contas
do FGTS será do Supremo ao julgar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade. O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso,
não dará decisão liminar (provisória) e levará a ação diretamente ao
plenário, mas isso não tem prazo para acontecer.
Nos dois tribunais, a estimativa das ações é de que as perdas superem
80% em cada conta de trabalhador. Alguém que tinha R$ 1 mil na conta do
FGTS em 1999, quando foi adotada a TR na correção, hoje teria R$
1.340,47 em valores atualizados. Com a aplicação de um índice
inflacionário na correção, o valor chegaria a R$ 2.586,44.