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Intervenção militar é golpe. Mas o que há por trás deste clamor? |
Data Publicação:30/05/2018 |
A crise deflagrada pela paralisação dos caminhoneiros abriu mais uma janela para que os defensores de uma “intervenção militar” entrassem em campo e, com suas faixas, cartazes, marchas e capacidade de mobilização nas redes sociais, colocassem o tema no debate nacional. Trata-se de um momento oportuno para discutir a complexidade deste assunto.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que não há na Constituição brasileira a previsão de uma intervenção militar ordenada pelas Forças Armadas. Alguns citam o artigo 142 da Carta como a suposta base para uma “intervenção constitucional”, mas uma leitura rápida coloca essa tese por terra.
Diz o artigo 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Uma ação para “garantia da lei e da ordem”, portanto, só pode ocorrer mediante o comando do presidente, ainda que a pedido de um dos poderes da República. Isso é tão óbvio que há uma lei de 1999 e um decreto de 2001 regulamentando justamente o artigo 142 da Constituição. As missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) só podem ser realizadas com ordem expressa do presidente da República. Várias foram realizadas nos últimos anos.
Diante disso, fica claro que o termo “intervenção militar” é nada mais que um eufemismo para um golpe de Estado, movimento definido pela remoção do governo por iniciativa das Forças Armadas.
É possível, entretanto, tentar aprofundar o entendimento a respeito do clamor por “intervenção militar”. É evidente que muitos, quando pedem por isso, estão fazendo uma ligação direta com a ditadura inaugurada em 1964 e gostariam de ver uma reedição daquele regime, com suas torturas inclusive.
Ao mesmo tempo, é razoável crer que nem todos os apoiadores da “intervenção” estejam defendendo a implantação de uma ditadura. Faltam pesquisas sobre esse sentimento, mas um relato publicado na segunda-feira 28 pela professora Rosana Pinheiro-Machado, da Universidade Federal de Santa Maria (RS), traz fatos muito interessantes.
Em um encontro com cerca de 30 caminhoneiros grevistas no Rio Grande do Sul, ela ouviu indignação com a corrupção e um apelo unânime por “intervenção”, mas que não se transmutava em apoio a uma ditadura. “Acreditavam ser importante uma intervenção temporária para sanar a ‘roubalheira’ do Temer, Aécio e todos mais, para colocar ordem na casa”, escreveu ela.
No Facebook, Rodrigo Nunes, professor de Filosofia da PUC-RJ, fez uma análise pertinente a respeito do episódio relatado por sua colega. A “intervenção”, afirma ele, é uma solução mágica para uma causa mágica, que pode ser resumida em “corrupção”.
O clamor pela intervenção, diz o acadêmico, “nomeia o desejo por uma solução mágica que, interrompendo o business as usual de um sistema político que se autonomizou completamente em relação à população, pudesse zerar um jogo que a experiência recente convenceu muita gente ser não só de cartas marcadas, mas praticamente invencível”.
Em palavras mais simples, o pedido de “intervenção militar” é a resposta de um significativo número de brasileiros ao sequestro da política por interesses privados, exemplificado, por exemplo, pela aprovação de leis favoráveis a determinadas pessoas ou empresas e pela capacidade do sistema político se proteger das investigações de corrupção.
Tal indignação com o sistema ficou exposta em pesquisa Datafolha desta quarta: 87% dos brasileiros aprovam a paralisação dos caminhoneiros apesar do desabastecimento e do impacto negativo na economia. Como disse Marcos Nobres, professor de Filosofia da Unicamp à BBC Brasil, “a sociedade resolveu que a única maneira de dizer para o sistema político o quão insuportável está o sofrimento aqui embaixo é sufocando a nós mesmos”.
Essa percepção de que o sistema está viciado, ou aparelhado, é comum a quase todos os países em que vigoram sistemas minimamente democráticos. A “intervenção”, assim, seria o nosso Brexit ou o nosso Donald Trump, soluções mágicas que viriam para derrubar “tudo o que está aí”.
Fonte:Yahoo.com
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