A divulgação dos
salários dos professores da USP revelou algumas distorções bizarras mas
sobretudo um fato óbvio: eles não ganham muito.
O salário de R$ 60 mil era de apenas um. O de R$ 45 mil, de outro. As
brechas jurídicas que eles encontraram para acumular tanto rendimento
são incompreensíveis e é ótimo que deixem de existir. Também não dá pra
dizer que um teto na casa dos vinte e poucos mil seja baixo e é saudável
que os poucos que ganham acima disso tenham os vencimentos revistos.
Mas daí a dizer que o professor da USP ganha muito vai uma distância
brutal. Os que ganham acima de vinte mil têm em média trinta anos de
ligação com a universidade. São professores titulares, o que significa
que passaram por todas as etapas da carreira, deram aulas na graduação e
na pós, orientaram gerações de pesquisadores, ocuparam postos
administrativos, participaram de conselhos. Eles são a elite da
universidade e representam uma porcentagem pequena em relação à massa de
docentes.
A maior parte dos professores não ganha nem perto disso. Um professor
doutor que passe num concurso hoje terá um salário médio de nove mil
reais –- o doutorado é o requisito mínimo para admissão no corpo docente
da universidade. Descontados os vários impostos, porá no bolso coisa de
seis, no máximo sete mil.
Não é ruim perto da realidade brasileira, claro. Mas esse professor
doutor que acaba de passar no concurso já gramou muito até chegar lá.
Num bom ritmo de trabalho, um doutor competitivo para os concursos se
forma hoje com pouco mais de trinta anos.
Isso significa que ele passou pelos quatro ou cinco anos de
graduação, dois ou três do mestrado, três ou quatro do doutorado. Se
tiver tido a sorte de conseguir bolsa para mestrado e doutorado, ganhou,
nesse período, uma média de dois mil reais por mês. Caso não tenha
conseguido bolsa, teve de trabalhar em tempo parcial para bancar os
próprios estudos.
Terminado o doutorado, o problema
está apenas começando. A tese é só o requisito básico para a inscrição
no concurso. Nas faculdades de humanas da USP, concursos recentes
traziam (traziam, porque agora deixarão de ocorrer por um bom tempo)
vinte, trinta, às vezes até cinquenta candidatos para uma vaga.
O candidato é avaliado sobretudo pelo currículo. É preciso ter
participado de congressos no Brasil e no exterior, publicado artigos em
revistas científicas, ter experiência docente e um projeto consistente
de pesquisa para os anos seguintes. Ou seja, só o doutorado não adianta
nada.
O resultado é que o doutor recém-formado que queira seguir a carreira
acadêmica vai então batalhar currículo. Vai dar aulas em universidades
privadas, que muitas vezes remuneram mal e por hora/aula. Vai tentar
concurso numa universidade federal, muitas vezes em estados distantes e
fora de seu eixo de interesse. Vai enviar artigos para revistas
acadêmicas e submeter papers a congressos.
Se tudo der certo, a USP for de fato a meta (pode não ser, Unicamp,
Unesp, Unifesp, PUC-SP, USP-Leste e FGV-SP são caminhos igualmente
cobiçados para quem é de São Paulo) e o candidato tiver ótimo nível
(além das conexões certas, mas isso é outra história), ele será aprovado
no concurso já às portas dos quarenta anos.
É nesse momento que ele passa a fazer jus ao salário inicial, de nove
mil e poucos reais brutos. Não dá pra dizer que seja excessivo para
quem trilhou esse caminho e em tese fará parte da elite intelectual do
Brasil. Se ele ou ela tiver filhos em escola particular, tiver que
comprar livros e viajar ao exterior para se atualizar, pagar aluguel num
bairro próximo à universidade, viver, enfim, a vida da classe média
paulistana, já deu pra ver que a conta é justa.
O salário ficará assim por muito tempo. O professor passará anos até
que possa defender uma livre-docência e mudar de nível na carreira. Terá
de coordenar departamentos, fazer incontáveis pareceres, preparar muita
aula, corrigir infinitos trabalhos, atender alunos, cavar espaço na
burocracia das agências de fomento para pleitear bolsas de
produtividade, etc, etc.
Um professor que hoje atinja o posto de titular, digamos, na casa dos
55 anos (relativamente cedo para a carreira), vai ganhar por volta de
14, 15 mil reais. Excelente, muito bem, mas não muito se comparado a um
posto de direção numa empresa de médio porte.
Claro que há vantagens adicionais. A estabilidade é um bem valioso
num mercado instável em que a demissão vive à espreita. Não é preciso
bater ponto – boa parte do trabalho é feita de casa. Os mais antigos se
aposentam com o salário integral (a lei já mudou faz tempo). Há
subsídios para viagens a congressos, mais férias do que a média,
autonomia intelectual, boa interlocução com os pares, ausência de chefe
bufando no cangote.
Mas esses são os pontos que ainda tornam a carreira atraente – mais
que a remuneração, diga-se, para quem teve o privilégio de dedicar tanto
tempo aos estudos.
Se essa divulgação dos salários servir para deixar claro que o grosso
da categoria é remunerado de forma austera, ela terá sido bem-vinda.
Agora, se for só para alimentar a gritaria a partir de casos de
exceção, então terá prestado um desserviço. A universidade pública já
está com problemas suficientes para que agora seus professores sejam
vistos como marajás. Não são.
Se há correções a fazer, que sejam feitas. Mas a ocasião é boa para
olhar em outras direções também, onde os recursos públicos continuam
geridos de maneira acintosa. Sugiro começar pelas pensões para filhos de
militares.
Fonte:Gizmodo Brasil
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