A carioca Rosario Nascimento e Silva, primeira mulher cineasta do país, deixa livro póstumo de contos inéditos. Notas Sobre o Abismo, um diário de abandonos e abismos de personagens e suas notas confessionais, ganha edição impactante e será lançado na Palavraria no próximo dia 29, às 19h.
Muito mais do que assinar o projeto gráfico de uma obra, a Agência da Palavra, de Vanessa Balula e Júlia Viegas, cuida de um livro como um todo, pensa a obra junto com o escritor: texto, conceito, seleção de trechos, ordem de entrada, ritmo, linguagem. Quando apresentam um original, a editora o recebe já burilado, pensado, cuidado. Notas sobre o Abismo tornou-se um projeto ainda mais desafiante. Ao contrário de outros projetos, este tinha uma expressão muito autoral. Rosario foi até a Agência acompanhada de adjetivos e superlativos. A mesma mulher que em 2007 havia lançado o título Abrace-me urgentemente – delicado e devastador -, estava ali para fechar um trabalho com Vanessa Balula e Júlia Viegas, idealizadoras e sócias da Agência da Palavra. O resultado deste trabalho poderá ser conferido no lançamento da Palavraria. A autora, recentemente falecida, com certeza se orgulharia do produto final, que chega às livrarias pela Editora Dublinense.
Sobre o processo do trabalho:
“A primeira obra de Rosario que tivemos em mãos, recusamos. Uma recusa com defesa, justificativa, embasamento. Precisávamos provar pra nós e pra ela que o ‘não’ tinha uma razão de ser. E foi assim que Rosario teve certeza de que seríamos nós. A desafiamos sem saber”, contam as sócias da Agência da Palavra. “Em pouco tempo seus contos iam chegando, todos inéditos. Entre textos viscerais e pungentes, encontramos muitos nós. Na garganta de todos – personagens ou não. Assim Rosario nos ocupou os espaços com um entusiasmo quase sufocante. Chegou mansa e tomou conta; com uma única certeza: os contos precisavam ser publicados o quanto antes. Rosário tinha pressa. Mais. Tinha uma urgência que até então não entendíamos. Tudo era ‘agora’. ‘Gritem, berrem e eu agradecerei do fundo da minha alma!’ se lê em um de seus contos. Um compromisso. Uma sofreguidão que passou a nos acompanhar”.
Vanessa e Júlia fizeram leituras e releituras dos contos e a cada novo olhar sobre o “Notas sobre o abismo”, as frases pareciam saltar: “de uma forma ou de outra, chego ao fim. Escrevo do abismo.” Era isso a entrega aos abismos de forma visceral. Suas personagens – em sua esmagadora maioria femininas – precisavam de outras vias de manifesto. De outras formas de exposição. Começaram então a pensar em traçar uma narrativa gráfica que falasse mais sobre todos. Era preciso mais do que uma palavra após a outra. “Suas personagens pareciam nos guiar a cada esboço. Rosario abraçou cada desafio proposto. As edições dos textos foram muito discutidas. Negociamos cada frase. Rosario ganhou em todas. Os contos lidos por ela ganhavam força e nos tiravam o fôlego”.
Um appetizer do projeto gráfico foi trabalhado pela agência para ser apresentado às editoras. E assim tudo cresceu. Tomou forma. E com ele a certeza. A autora estava encantada e entusiasmada, mas, infelizmente, faleceu dois anos antes de sua publicação. No ano seguinte ao seu falecimento, seus últimos contos foram entregues pela família à Agência da Palavra que retomou o projeto e o seguiu à risca. Assim, os últimos textos foram incluídos no livro. Para a sua publicação a Agência teve na editora Dublinense, a parceria que precisava neste projeto inovador.
Sobre o livro
Notas sobre o abismo não poderia ter um título mais acertado. Um tom confessional e intimista toma de assalto o livro de Rosario Nascimento e Silva – atriz, cineasta, dramaturga e escritora, importante nome no cenário cultural nacional, em especial na história do cinema brasileiro – e parece crescer quando textos breves, muitos deles inéditos, vão sendo apresentados ao leitor em uma narrativa gráfica que, devassa os abismos de cada uma de suas personagens.
O projeto gráfico – concebido pela Agência da Palavra em parceria com a autora - transforma o livro em uma caderneta de anotações, um diário com notas íntimas a serem exploradas pelo leitor que, então passa também a voyer das confissões escritas por essas personagens – todas fragmentadas, levadas ao limite da sociedade, do amor ou de si mesmas. Aos poucos, essas notas íntimas se revelam contos – esses apresentados na íntegra, sem qualquer interferência gráfica, na segunda parte do livro.
Seu livro tem a linguagem e as referências pulsantes e intensas da geração oitentista da literatura brasileira – com todas as suas chagas expostas: desamor, abandono, angústia, drogas, sexo. O mesmo universo marginal que transita o cinema da década 70. “Aqui podemos vê-la inteira, em suas agonias e êxtases permanentes”, define Paulo Coelho na contracapa.
João Ubaldo Ribeiro é quem assina a orelha para a obra e declara a importância da autora e seus múltiplos talentos: “Quem a conheceu de perto sabe o que eu quero dizer. E pode agora, com este livro, conhecer ainda mais algo do que pensava uma mulher, uma artista, que nunca será esquecida”.
A realização do projeto gráfico, assinada por Vanessa Balula e Humberto Nunes, designer contratado pela editora Dublinense para o trabalho, teve na narrativa gráfica uma força não imaginada com seus textos manuscritos, ilustrações, páginas queimadas de cigarro, envelopes e bilhetes colados. O livro ganhou novas formas de leitura e de compreensão do texto. O projeto amplia o conceito de livro objeto – em um exemplo claro de quando o design é pensado e trabalhado de forma ao livro ir além da leitura dos contos. Como takes de um filme que a autora não chegou a filmar.
No evento de lançamento, o viúvo, Victor Costa Rodrigues, e Vanessa Balula, da Agência da Palavra – responsáveis pela iniciativa de publicação da obra –, receberão os convidados e irão também homenagear a autora “autografando” os livros com um carimbo com sua assinatura.
Sobre a autora:
Maria do Rosario Nascimento e Silva ou ‘apenas’ Rosario Nascimento e Silva deixou para trás tudo o que se poderia esperar de uma bela – belíssima - mulher na década de 60. Passou de um lindo rosto das capas de revista e promissora carreira como modelo fotográfico à atriz, em 1968, com sua estreia no cinema dirigida por Neville D’Almeida em Jardim de Guerra. Dona de um humor ácido e um olhar crítico feroz, fez do Cinema Novo sua casa e passou a ser reconhecida como musa. Participou das produções mais importantes da época como Capitu, Macunaíma, Juliana do Amor Perdido. “Sem a presença encantadora de Maria do Rosário, Juliana do amor perdido não chegaria tão bem à sua meta estética ambiciosa”, declara o crítico de cinema Ely Azeredo. Foi dirigida por grandes nomes como Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade. E foi ao lado de Bruno Barreto que passou para o lado de trás das câmeras: com ele assinou o seu primeiro curta Quarta-feira – como roteirista, diretora, montadora e diretora de produção. Dali fez voo solo assinando a direção e o roteiro de mais um curta –metragem: Eu sou Brasileiro, conquistando poucos anos depois, com seu próximo projeto, seu primeiro longa metragem, Marcados para viver (1976), alguns dos maiores prêmios de crítica e destaque no Cinema Nacional. Como a primeira mulher cineasta do país, foi convidada a representar o Brasil em Cannes e no Festival de cinema de Los Angeles. Os roteiros impulsionaram a escrita de Rosario: “Em cinema, fiz de tudo: fui atriz, diretora, produtora e roteirista, o que me levou a ter essa paixão por escrever”, afirma.
Em 2007 lançou seu primeiro livro de contos Abrace-me urgentemente e passou a assinar a co-autoria de textos para teatro, como a comédia Tanto por fazer, com a atriz Tessy Callado. Foi casada com Walter Clark – pai de sua única filha, Eduarda –, Nelson Pereira dos Santos e Victor Costa Rodrigues, este durante seus últimos vinte e cinco anos. Em seu último livro alguns de seus grandes amigos – como Paulo Coelho, João Ubaldo Ribeiro, Christina Oiticica e a novelista Maria Carmem Barbosa – se fazem presentes em declarações elogiosas à autora. A orelha do livro é assinada por João Ubaldo.
Atriz, roteirista, produtora, cineasta, dramaturga e escritora. Assim foi a brasileira Maria do Rosario Nascimento e Silva.
Sobre a Editora:
A Dublinense foi criada em 2009 com o objetivo de formar um catálogo eclético. Isso significa receber os jovens e criativos autores, mas também os escritores maduros e já consagrados. Os valores que norteiam a editora são o apuro com a palavra e o cuidado gráfico. A linha editorial da Dublinense está direcionada principalmente para os gêneros tradicionais da literatura de ficção, mas compreende também livros de negócios, ensaios, relatos e esportes. Seus sócios e idealizadores são Gustavo Faraon e Rodrigo Rosp.
LANÇAMENTO DE NOTAS SOBRE O ABISMO
Data e horário: 29 de março de 2012 (quinta-feira), a partir das 19h
Local: Palavraria – Livros & Cafés (Rua Vasco da Gama, 165 – Porto Alegre – RS)
Preço: R$ 35,00 (exemplar) / Formato: 14x21cm / 144 páginas
Fonte:Bebê Baumgarten/ BD Divulgação
|