Com a nova lei, os proprietários ou possuidores de unidades autônomas que quiserem alugar ou vender vaga de garagem só poderão fazê-lo a pessoas que residem ou freqüentem o condomínio. Minimizou-se um problema de falta de segurança, mas limitou-se a autonomia privada.
Em 4 de abril de 2012, foi publicada a Lei nº 12.607, que determinou que o aluguel e a venda de vagas de garagem em condomínio edilício (comumente denominado condomínio em edifício) fosse, como regra, proibida a pessoas estranhas.
Embora o texto original do Código Civil tenha sido mantido (como não poderia ser diferente), permitindo que partes autônomas – como apartamentos, lojas, salas etc. – fossem livremente alugados ou alienados a qualquer pessoa, houve alteração substancial no que tange à área que denominou de “abrigo para veículo”.
Afinal, com a novel norma, que entrará em vigor após 45 (quarenta e cinco) dias após a publicação, os proprietários ou possuidores de unidades autônomas que quiserem alugar ou vender vaga de garagem só poderão fazê-lo a pessoas que residem ou freqüentem o condomínio. Assim dispôs a norma:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
O texto original previa:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários.
É elogiável a nova norma na medida em que, como se sabe, a segurança dos que freqüentam condomínios fica deveras prejudicada quando se permite que pessoas que normalmente não residem ou trabalham em um determinado edifício possam adentrar na garagem apenas para estacionar seu veículo e, logo após, saírem do imóvel, provocando, eventualmente, um descontrole das pessoas autorizadas a adentrar no prédio sem autorização de um condômino.
Entretanto, algumas críticas podem ser feitas a nova lei.
A primeira diz respeito ao verbo “alugar”. Seria melhor se o legislador escrevesse “ceder gratuita ou onerosamente”, pois, embora saibamos que a mens legislatoris foi precisamente preservar a segurança dos condôminos, eventualmente, algum condômino, padecendo de pouca inteligência (ou agindo com má fé), poderá, absurdamente, alegar que não alugou e sim cedeu gratuitamente (comodato) a um amigo e, assim, não estaria infringindo a norma.
Outro ponto se refere ao artigo 1338, que dispõe:
Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.
O legislador poderia, aproveitando a norma ora em comento, repito elogiável, ter alterado o dispositivo, para a seguinte redação sugerida:
"Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.
Parágrafo único. Somente poder-se-á alugar área para veículos a pessoas estranhas se houver expressa autorização na convenção de condomínio.”
Uma terceira sugestão ao legislador seria a substituição do termo “estranho” para “não possuidor de unidades autônomas tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas”, como fez no caput do artigo 1131, que é justamente o primeiro dispositivo que trata de Condomínio Edilício no Código Civil. Justifica-se essa substituição de termos na medida em que o termo “estranho” tem conotação subjetiva, enquanto o termo “possuidor”, segundo Rudolf Von Jhering em sua Teoria Objetiva da Posse, se faz de forma pragmática (objetiva). Assim, evitar-se-ia que um condômino, inescrupulosamente, argua algum absurdo como o fato de um vizinho de edifício, pessoa popular no bairro, possa, eventualmente, não ser considerado “estranho”.
A quarta crítica que se pode fazer ao texto da lei diz respeito ao artigo 1339, que permanece com seu texto original, in verbis:
Art. 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais correspondentes as unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias.
§ 1º Nos casos deste artigo é proibido alienar ou gravar os bens em separado.
§ 2º É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembléia geral.
Constata-se que o parágrafo segundo supra criou dois requisitos para a alienação de vaga de garagem como parte acessória (o que é mais comum no nosso país) a terceiros, quais sejam: a permissão no ato constitutivo do condomínio e a não oposição por parte da assembléia geral. Todavia, lamentavelmente, a novel lei apenas criou uma condição, qual seja: a autorização na convenção de condomínio.
Desta forma, existe uma antinomia aparente dentro do próprio Código Civil, na medida em que o parágrafo primeiro do artigo 1331, ora alterado, cria apenas uma condição, enquanto o parágrafo segundo do artigo 1339 exige dois requisitos para alienação de vaga de garagem acessória a não possuidores das unidades autônomas.
Sugiro que a norma do artigo 1331 deve prevalecer sobre a do artigo 1339, por dois motivos. O primeiro ocorre em razão do Critério Cronológico na medida em que a lei nova prevalece sobre a mais antiga. A segunda razão se dá em razão do Critério da Especialidade, pois a norma do parágrafo primeiro do artigo 1331 é especial, pois se refere à vaga de garagem enquanto o artigo 1339 é norma geral, pois diz respeito a quaisquer partes acessórias.
Vale registrar que a nova lei obviamente não se aplica a edifícios-garagem, como dissertei no livro Condomínio em Edifícios, publicado pela Editora Del Rey em 2003, in verbis:
Conclui-se, balizado na doutrina que, caso deseje um condômino alugar vaga de garagem que lhe pertença, deverá inicialmente oferecê-la aos demais compossuidores e, somente se não lhes interessar, poderá alugá-la a estranhos e, desde que não haja vedação na convenção ou em virtude de decisão assemblear. Em relação à venda de vaga de garagem, esta poderá ocorrer livremente entre condôminos, porém é vedada a estranhos, exceto se assim permitir a convenção e não se opuser a assembléia geral.
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Obviamente, o que foi disposto nos parágrafos anteriores não se aplica a garagens de uso comum, ou seja, quando não existe divisão discriminada das vagas em relação às unidades. Desta forma, quando tratar-se de garagem pro-indiviso, ou seja, aquelas cujo uso é franqueado a todos os condôminos igualmente, deverá a convenção ou regimento interno, regular a sua utilização.
Ademais, como já dito, em relação aos edifícios-garagens, o presente capítulo não tem aplicabilidade, pois nesses, cada vaga de garagem deve ser entendida como unidade autônoma, assim como apartamentos, lojas, salas etc.
Conclui-se, pois, que a alteração no Código Civil foi positiva e, lamentavelmente, originou de uma das maiores mazelas sociais que é a falta de segurança pública, provocando outra mazela (esta de natureza jurídica) que é a limitação da autonomia privada, tão cultuada no Direito Privado.