Diversos organismos vinculados à Educação – inclusive alguns sindicatos de classe - estão se mobilizando na campanha pela aplicação de 10 % do PIB brasileiro em nossa educação pública. Como cidadão e educador, considero que 10 % são um componente da solução para os problemas do setor, seja para a disponibilização dos insumos básicos de que ele se recente, seja para o maior reconhecimento e valorização do professor em termos salariais, seja para os projetos de formação continuada e de aprimoramento das tecnologias de educação que permitam a implementação dos novos rumos do ensino.
Em outro artigo, há cerca de um ano, fiz questão de depor sobre os novos fundamentos teóricos da ensino no Brasil – que envolvem a Lei de Diretrizes de Bases, a aplicação de novos Parâmetros Curriculares, o surgimento do ENEM e de seus objetivos. No âmbito filosófico, pensava e penso que estamos indo bem. E nem poderia ser diferente, considerados os nomes de Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro que, entre outros, estão na origem das mudanças que se preconizam. Na prática, porém, a nossa Educação ainda está longe de impor-se como vetor das transformações sociais que minimizem os assustadores níveis de desigualdade entre os brasileiros.
Mas, hoje, não pretendo falar do Estado e de suas obrigações para com o ensino público. Pelo menos, não diretamente. É que, ao lado da escola e de sua missão integradora, há uma considerável gama de fatores, com muitos atores, que compõem o processo educativo. Eles têm a ver com um tipo de visão do mundo da qual que não escapa o ambiente dos jovens em geral (pobres ou ricos), e que passa pelos valores que os bombardeiam ideologicamente fora dos muros do colégio, interferindo de forma decisiva na sua produção como estudantes e acabando por neutralizar ou até opor-se aos princípios filosóficos dos renovados currículos escolares. Sem querer encaminhar o raciocínio de forma maniqueísta, é como se duas forças absolutamente antagônicas estivessem disputando, a todo momento, os corações e mentes dos jovens.
Vivemos a sociedade do consumismo. A obsessão pelo consumo é a marca de um mundo orientado para e pelo mercado, um mundo que se organiza – social, política, e economicamente – para “educar-nos” pelos padrões voltados para o ato de consumir. Evidentemente, o consumo é uma necessidade humana, velha como o mundo. Joga com a sobrevivência do homem e com o atendimento de suas necessidades básicas. Já o consumismo é uma ideologia, um misto de padrão cultural imposto e de doença crônica, capaz de levar ao extermínio os valores de cidadania que um verdadeiro processo educacional se obriga a ver garantidos em nome da sociedade.
Os “pilares da educação” fixados pela UNESCO em 1990 - motivadores da nossa Lei de Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares que se pretende ver implantados – estabelecem que o aluno deve “aprender a conhecer, fazer, conviver e ser”. Mas, na realidade que vivenciamos, nivelam-se adultos infantilizados e crianças pretensiosamente adultas em torno dos projetos “neocolonizadores” do consumismo, conduzidos pela cumplicidade da mídia oportunista com as grandes corporações empresariais. E tudo isso contando com a complacência das famílias. Nesse cenário, os educadores conscientes correm o risco de falar sozinhos e os menos conscientes de ceder à tentação do “colaboracionismo”... Como defender a cidadela do “conviver” e do “ser” diante do avassalador exército que nos compele a cada instante a identificar no “ter” a própria razão de viver?
Tudo se está transformando em mercadoria, com suas ramificações. Uma delas: o descarte , como velho, de tudo que deixa de ser instantâneo. Com o consumismo, vêm também o exibicionismo, o egocentrismo, a ambição de ser “famoso”, “notado” e, por extensão, “desejado”. E o nosso mundo está criando – desde a tenra idade - consumidores que também anseiam por ser consumidos, seres-mercadorias.
Consome-se tudo, ideias também, às vezes as mais estapafúrdias. E até sentimentos se vendem e se compram. Um exemplo, só para fazer pensar. Em uma entrevista à Globo News (“Almanaque”), o bom ator Gabriel Braga Nunes, que fez o personagem Leo na última novela – um personagem marcado pela maldade e atrocidade, um assassino frio de gente inocente – confessou que sentiu um prazer especial ao perceber que, no final da trama, muitas pessoas começavam a sentir pena dele, submetido que estava a provações. Disse que tinha mesmo, de propósito, tentado acrescentar ao personagem ingredientes para provocar esse sentimento de pena. Quando perguntado, porém, na mesma reportagem, sobre como explicar esse processo de “conversão” de espectadores, foi surpreendemente sincero: “Só tenho uma coisa a dizer: Otários!”. Ou seja, consumidores do produto forjado, do produto imposto, do produto errado...
Alguém dirá que me estou afastando do tema. Afinal, a discussão deveria ser em torno dos 10% do PIB. Pode ser. Mas, a partir do que percebo nas salas de aula, penso que esses valores “imateriais” devem merecer tanta atenção quanto o volume de recursos financeiros que queremos ver aplicados na Educação. Afinal, o que desejamos é que ela seja capaz de propiciar cidadania plena, que passa longe da febre consumista.
A propaganda é avassaladora e perversa na defesa do “ter” contra o “ser”. Ela nos persegue diariamente. È aquele cara que incendeia o seu carro velho e enguiçado quando por ele passa um carrão... É aquele casal de pais, incapazes de se dar conta da presença participativa da criança que balbucia afetos, mas que se extasiam ao perceber que ela “divulga” a banda larga e as vantagens de possuí-la... E o que dizer da grande maioria de “consumidores” das tecnologias que aí estão (computadores, celulares, máquinas fotográficas, etc.) que, iludidos pela propaganda, pagam pelo que não usam ou nem sabem que podem usar? E pagam caro, sacrificando algumas de suas necessidades básicas. Típicas produções do “ter”, autênticas negações do “ser”...
Fonte:Rodolpho Motta Lima
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